domingo, 2 de novembro de 2014

Vênus



Saía de um longo banho quente e, no corredor entre o banheiro e o quarto, parou a contemplar-se defronte o grande espelho que comprara há tantos anos. Ela tinha um carinho especial por aquele espelho, cuja moldura inspirada em traços vitorianos lhe trazia o glamour de tempos que nunca vivera, um requinte nostálgico de quando o mundo era belo e inocente, quando o amor era tão raro quanto hoje em dia mas ainda era dotado da capacidade de perpetuar-se no tempo, não esfacelando-se com a mesma impetuosidade das paixões de verão. 

E a moldura de traços vitorianos (somente agora, passado décadas, ela percebia) era como uma aberração naquela casa, uma espécie de intrusa, um ser estranho vindo de outro tempo, carregando consigo as marcas da Grande Deterioração que é a força vital do Tempo, a sua ação, o seu mistério. Tudo isso veio como uma explosão em sua mente, em não mais do que meros segundos. E foram nesses meros segundos que ela compreendeu esse mistério, presente agora em seu próprio corpo, que em nada se assemelha ao corpo da jovem que - tão alegre, tão cheia de vida e de doces esperanças - pediu ao marido para comprar aquele espelho emoldurado; e foram inúmeras vezes que ela se observou defronte aquele espelho, tomada de admiração e de orgulho de si. Percorreu então com os olhos as curvas da cintura que, antes tão esbelta, tão harmoniosa com seus quadris voluptuosamente volumosos, agora formavam uma só massa flácida de epidermes envelhecidas; as pernas firmes de outrora, carnes murchas e sem brilho; os seios arredondados e robustos, capazes de tirar a atenção do mais sério dos homens, agora apenas tristes glândulas projetadas para o chão, como se estivessem pedindo desculpas; e o rosto angelical, que tinha entre os lábios carnudos e os brilhantes olhos amendoados um contraponto exato de lânguida luxúria (nada é mais excitante que traços de pureza e devassidão fundidos em um só ser) transformara-se em um amálgama cansado de rugas profundas, manchas grossas e olhos dos quais emanavam  um misto de cansaço e derrota. 

Apesar da tristeza de perceber no próprio corpo os efeitos implacáveis da Deterioração, de perceber que lentamente a Natureza retirara os encantos que lhe dotara na juventude, o Desejo ainda permanecia. Sim, naquele corpo velho que aparecia refletido no espelho como um arremedo monstruoso do passado, naquele corpo de mulher idosa o impulso ao gozo ardia com força e sem pudor; e naquele momento de contemplação tão breve, esse Desejou iniciou sua fervura timidamente, aumentando o calor aos poucos, até que a nostalgia do gozo levou uma mão enrrugada para a buceta peluda de carnes escurecidas; os dedos rugosos entraram com ardência no que, antes, era uma caverna tão úmida quanto Março; a outra mão apertava os seios, ora um, ora outro, levantando-os de suas posições vencidas; os dedos nas partes baixas já experimentavam um pouco de umidade, em um movimento cada vez mais rápido; não demorou muito para que a respiração ficasse ofegante se misturasse a gemidos baixinhos, e defronte ao espelho era já uma mulher completamente enlouquecida de prazer que se contorcia, se tocava e pensava em todas as fodas do passado, no pau pulsante do marido, nos outros paus que nunca tinha experimentado, nas orgias que nunca tinha feito, na desgraçada ironia da Natureza que retira de nós os atrativos carnais mas mantém imaculado o desejo de foder, de despudoramente foder.

No quarto ao final do corredor, pela fresta da porta semi-aberta, o marido - há anos confinado na cama, como um vegetal - observa o espetáculo daquela Vênus enlouquecida.